Instituto Brasileiro de Museus

Museu Regional Casa Dos Ottoni

Família Ottoni

Ao longo desses séculos de história, muitos foram os serranos que tiveram destaque na história brasileira. Dentre os chamados “serranos ilustres” podemos citar alguns membros da família Ottoni, em especial três deles, que inspiraram a criação do Museu Regional Casa dos Ottoni: José Eloy Ottoni, Teófilo Benedito Ottoni e Cristiano Benedito Ottoni.

Segundo estudos genealógicos, a família Ottoni tem origem italiana e o primeiro Ottoni a chegar ao Brasil foi o genovês Manoel Ottoni. Isso aconteceu na década de 1720, depois de ele viver, por 15 anos, em Portugal. Provavelmente, a saída da Itália foi motivada pela perda de poder político da família em Gênova, em uma época na qual o país não estava unificado e dividia-se em Repúblicas Independentes governadas por famílias nobres e influentes também marcadas pelas constantes lutas pelo poder entre esses clãs.

Seu neto, Manoel Vieira Ottoni, foi o primeiro Ottoni a viver na Vila do Príncipe, onde exerceu a função de ajudante de ensaiador e, posteriormente, ensaiador da Casa de Fundição. Tal cargo era de grande responsabilidade na época, pois dele dependia a qualidade do ouro quintado que era enviado à Coroa. Em 1763, ele se casou com Anna Felizarda do Prado Leme, cuja família descendia do bandeirante Fernão Dias Paes Leme, tinha prestígio político na colônia e era detentora de muitos recursos. O casal teve 17 filhos, sendo que 7 deles faleceram recém-nascidos ou na primeira infância.

José Eloy Ottoni

José Eloy Ottoni, óleo sobre tela, Jordão de Oliveira, 1962
Créditos: Acervo MRCO/Ibram

O primogênito, nascido em 1764, foi José Eloy Ottoni, que se destacou como exímio latinista e poeta. Exerceu vários cargos no Brasil e na Europa, tais como professor, embaixador de Portugal na Espanha, oficial da secretaria da Academia da Marinha, dentre outros; no entanto, é lembrado principalmente por sua poesia, largamente influenciada por poetas como Bocage e Bressani. Suas produções principais são “Poesias Avulsas”, “Drama Alusivo ao Caráter e ao Talento de Bocage”, “Ode aos Anos de Jorge IV da Inglaterra”, “Anália de Josino”, “O livro de Jó”, além de algumas traduções e poesias avulsas, a exemplo do soneto abaixo.

Soneto[1]

Portugueses! A nuvem tenebrosa
Qu’ofuscava a razão desaparece,
Desfez-se o caos que a discórdia tece:
Já se encara sem medo a luz formosa.

Dos erros a progênie maculosa
Baqueando em soluços estremece.
A justiça dos céus ao trono desce,
Marcando os faustos à nação briosa.

Lísia, berço dos heróis, oh Lísia, alerta!
Cumpre que os ferros o Brasil arroje,
Seguindo o impulso que a razão desperta.

A expressão de terror desmaia e foge,
Graças à invicta mão que nos liberta,
Escravos ontem, sois Romanos hoje!

Recitado em 1821, no teatro S. João e na presença de D. João VI, o soneto foi objeto de conflito entre o rei e a plateia, pois enquanto o rei protestava, falando “Escravos, não! Vassalos!”, a plateia respondia “Peior, peior!”. Conta-se ainda que, devido ao poema, José Eloy Ottoni encontrou dificuldades para conseguir um emprego estável, apesar da sua notável capacidade intelectual.

Em 1911, o poeta teve reconhecida a sua importância e foi nomeado Patrono da Cadeira de número 36 da Academia Mineira de Letras.

Theófilo Benedicto Ottoni e Christiano Benedicto Ottoni

Jorge Benedicto Ottoni, um dos irmãos de José Eloy Ottoni e nascido em 1782, exerceu importantes cargos políticos na Vila do Príncipe, tendo sido vereador e senador, além de tabelião. Casou-se, em 1807, com Rosália de Souza Maia e, da união, nasceram 12 filhos, sendo que dois deles foram muito relevantes para a história do Brasil: Theófilo Benedicto Ottoni e Christiano Benedicto Ottoni.

Teófilo Benedicto Ottoni, óleo sobre tela, Jordão de Oliveira, 1954
Créditos:Acervo MRCO/Ibram

Theófilo Benedicto Ottoni nasceu em 1807 e destacou-se na política brasileira, tendo sido ferrenho defensor do Republicanismo e do Liberalismo. Até os 15 anos, ocupava-se do comércio e acompanhava seu pai em viagens com as tropas, não tendo recebido nenhuma instrução. Com essa idade, ele e mais três irmãos passaram a morar com o tio José Eloy Ottoni, quando iniciaram seus estudos e serviram na Marinha. Ao requerer baixa da Marinha, em 1830, Theóphilo Ottoni retornou ao Serro para dedicar-se à carreira política e fundou o periódico “Sentinela do Serro” no qual defendia suas ideias liberais e democráticas. Em 1842, participou da Revolução Liberal de 1842 que terminou com a derrota dos insurgentes em Santa Luzia e, como consequência, sua prisão. Posteriormente, foi beneficiado pela anistia decretada pelo imperador D. Pedro II.

Após exercer o mandato de Deputado Federal, afastou-se da política devido à derrota dos liberais para os conservadores e fundou, em 1848, a “Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri”. Com o objetivo de promover o desenvolvimento da região[2], Theófilo Ottoni procurou ligar o sertão mineiro a um porto marítimo[3], incentivou a instalação de imigrantes europeus na região e desenvolveu um núcleo urbano que recebeu o nome de Philadelphia[4]. Em 1860, por motivos políticos, a Cia. Mucuri foi encampada pelo governo.

Assim, Teophilo Ottoni retornou à política e foi eleito Deputado Federal e, logo após, Senador. Teve destaque na famosa “Questão Christie”, um importante impasse diplomático do governo de D. Pedro II, que culminou com o rompimento das relações entre Brasil e Inglaterra, ao liderar um importante movimento contra as pretensões imperialistas dos ingleses.

A campanha do Mucuri fragilizou sobremaneira a sua saúde e, em 1869, faleceu Teophilo Ottoni. Desse modo, apesar de ter sido um dos maiores defensores do republicanismo no Brasil, acabou não assinando, em 1870, o Manifesto Republicano de Itu, documento fundamental para o movimento republicano brasileiro.

Christiano Benedicto Ottoni, óleo sobre tela, Jordão de Oliveira, 1955
Créditos:Acervo MRCO/Ibram

Christiano Benedicto Ottoni nasceu em 1811 e, com Teophilo Ottoni, morou na casa do tio e serviu a Marinha na qual se reformou como Capitão Tenente. Formado em engenharia, foi professor de matemática na Academia da Marinha e publicou vários livros didáticos de matemática que foram usados no ensino brasileiro da época. Participou, também com o irmão, da epopeia de colonização do Vale do Mucuri, tendo sido o elaborador do projeto da estrada de rodagem entre Philadelphia e Santa Clara (atuais Teófilo Ottoni e Nanuque, respectivamente), a primeira via desse tipo do Brasil.

Apesar de, politicamente, ter sido um inimigo de D. Pedro II, este o considerava um excelente engenheiro e administrador. Assim, Cristiano Ottoni exerceu o cargo de Presidente da Estrada de Ferro D. Pedro II, a primeira ferrovia brasileira, entre 1855 e 1865. Por isso – e por ter sido ele o homem responsável pela expansão das linhas férreas em direção a Minas Gerais e São Paulo –, Christiano Ottoni é considerado o “pai das estradas de ferro no Brasil”.

Também atuou no campo da política, tendo sido eleito como deputado pelo Partido Liberal e, posteriormente, por duas vezes, senador. Era defensor do ideário republicano e liberal e foi um dos signatários do Manifesto Republicano de Itu. Embora não seja lembrado como um literato, Christiano Ottoni deixou algumas obras de sua autoria, tais como as biografias de Teophilo Ottoni e de D. Pedro II, “Futuro das Estradas de Ferro no Brasil” e “História da Escravidão no Brasil”. Além disso, era um notável polemista e escrevia artigos contrários aos seus adversários políticos, publicando-os na imprensa.

Christiano Ottoni faleceu aos 85 anos, no Rio de Janeiro. Por ter sido um grande engenheiro brasileiro, foi escolhido como patrono da Escola de Engenharia da UFMG, criada em 1911. Foi homenageado ainda com a criação, em 1974, da Fundação Cristiano Ottoni, uma instituição de pesquisa vinculada à UFMG. Sua descendência também contou com destaques para a história brasileira, em especial seu filho Júlio Benedicto Ottoni[5] e seu neto Raymundo Ottoni de Castro Maya[6].


[1] Retirado do site http://www.antoniomiranda.com.br

[2] A área era território de índios botocudos, que atacaram a expedição de Teóphilo Ottoni. Este, no entanto, não revidou de forma violenta e procurou negociar a paz. Obtendo sucesso na empreitada, a expedição teve acesso a terras até então inacessíveis aos “civilizados”.

[3] A via ligava Teófilo Ottoni ao Rio de Janeiro por meio do seguinte trajeto: Téofilo Ottoni-MG a Nanuque-MG (por via terrestre), Nanuque a Mucuri-BA (via Rio Mucuri) e Mucuri a Rio de Janeiro-RJ (também por via marítima, percorrendo parte do litoral brasileiro).

[4] Em 1878, a cidade passou a se chamar Teófilo Ottoni, nome que ainda hoje mantém.

[5] Advogado de formação, destacou-se como importante industrial e homem de elevado espírito público e filantrópico. Fez grandes doações a diversas instituições, com destaque para uma das mais importantes coleções de livros sobre o Brasil e a América, doada para a Biblioteca Nacional, e a Casa dos Ottoni, da qual falaremos mais adiante.

[6] Importante colecionador de arte, reuniu, ao longo de sua vida, um rico acervo artístico com obras de Degas, Picasso, Monet, Matisse, Di Cavalcanti, Portinari, Guignard, dentre outros artistas. Sua coleção encontra-se nos Museus Castro Maya – Museu do Açude e Chácara do Céu, administrados pelo Ibram.