Instituto Brasileiro de Museus

Museu Regional Casa Dos Ottoni

Feitos de História

publicado: 10/01/2022 11h09, última modificação: 10/01/2022 12h57

A Exposição “Feitos de História” foi concebida em homenagem ao aniversário de Serro/MG. Cidade outrora tão importante na trajetória do país e que, adormecida no tempo, ainda nos remete a séculos de memórias, proporcionando um mergulho intenso no passado. Seus cenários bucólicos, tão bem conservados, serviram de inspiração para a criação das pinturas aqui apresentadas.

Os trabalhos compõem um conjunto articulado de obras da artista Luana Simões (Luss), marcadas por cores intensas, pinceladas suaves e traços delicados que exploram, de forma poética, através do recurso estético da múltipla exposição de imagens, a relação entre corpo/espaço, identidade/territorialidade, matéria/espiritualidade, presença/ausência. As pinturas estampam composições etéreas, esboçando certa transparência, não apenas na sobreposição de imagens, mas sobretudo, no olhar e no gesto das personagens, como se a figura retratada estivesse revelando (não sem alguma reticência) um pouco do seu mundo particular, seus segredos mais profundos, seus medos, sua força, suas lembranças, suas verdades.

O enredo das obras expostas evoca as marcas e a própria efemeridade do tempo, trazendo representações das belíssimas paisagens, antigas e atuais, do Serro/MG e de outras cidades do circuito turístico da Estrada Real, entrelaçadas a fragmentos do corpo feminino, numa articulação visual que convida o observador a experimentar aquela realidade e a mergulhar nas alegrias e dores de cada narrativa. Cores, luzes e sombras, expressões e contexto se acomodam com harmonia. Há uma transição sutil e um jogo fugaz entre as diferentes formas, que sugere uma provocação para sair do olhar comum.

As pinturas surgem como um ponto de reflexão e inflexão, questionando a invisibilidade feminina na maioria dos processos históricos que envolvem a região. A artista, em algumas obras, busca representar mulheres importantes na história do local retratado e, em outras, apenas desenvolver um imaginário sobre mulheres de todas as idades, classes e etnias que certamente contribuíram (e ainda contribuem) de alguma forma para a construção da identidade local e que, mesmo assim, sequer são lembradas ou nomeadas pela história, sendo sistematicamente negligenciadas.

As mulheres retratadas raramente são nomeadas, o que é um artifício usado para realçar o fato de que o retrato não é de uma pessoa só: busca-se atingir um universo maior de sujeitos, num sentido mais amplo, de ser humano, de ser mulher. O uso de rostos desconhecidos facilita o processo de conexão do observador com as obras e, ao mesmo tempo, gera um desprendimento. Os cenários e paisagens não são meros complementos: são lugares onde pessoas deixaram (e ainda deixam) suas pegadas, suas impressões, suas marcas. Isso tem uma carga simbólica intensa que revela como a gente se vê e se sente no mundo, já que somos reflexos do nosso ambiente.

Por isso, o título “Feitos de História” sintetiza o potencial da arte reverberar a interação constante entre passado, presente e futuro e a relação entre os espaços que ocupamos e quem nos tornamos, estimulando um olhar mais investigativo para dentro de cada um de nós: um olhar dedicado à memória e à capacidade de fazer história e de constituir-se dela.

Luana Simões